Não importa se só tocam o primeiro acorde da canção. A gente escreve o resto em linhas tortas, nas portas da perseguição. Em paredes de banheiro ou nas folhas que o outono leva ao chão. Em livros de história seremos a memória dos dias que virão. Se é que eles virão...

Não importa se só tocam o primeiro verso da canção. A gente escreve o resto sem muita pressa, com muita precisão. Nos interessa o que não foi impresso e continua sendo escrito à mão, escrito à luz de velas, quase na escuridão. Longe da multidão...

(Humberto Gessinger - Exército de Um Homem Só)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

QUEM COMANDA O ESPETÁCULO?

Esse texto foi feito no sábado, 20 de novembro e repassado para alguns contatos. Devido a alguns pedidos estou postando ele, revisado obviamente, pois era tarde da noite a indignação grande demais para me deter a formalidades de escrita. Outro fato que me levou a publicar esse texto foi porque resolvi ler o mesmo novamente e, além de ter achado bastante visceral (adoro a palavra “visceral “) me apavorei com tantos erros de escrita.

Então, para quem não conseguiu entender o que escrevi naquela minha longa jornada noite adentro aí está ele. Quem quiser se aprofundar mais na questão “Rio de Janeiro” é só acessar as dicas de leitura ao lado ou ver o Jornal Nacional (vocês escolhem).







Quando vi todo aquele terror pela TV hoje à noite logo me remeti a uma conversa que presenciei hoje à tarde. Um senhor e uma senhora conversavam sobre os ataques dos traficantes no Rio, noticiado a todo instante pelas TVs do Brasil inteiro como um evento. O teor da conversa era de "está na hora de acabar com a bandidagem das favelas". Como sou conhecido dos dois falei que isso era por causa das tais Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e de como o termo "pacificadora" me assustava, ainda mais quando vem de uma instituição criada para reprimir de forma armada a violência e o crime (uma total contradição). Falei também do disparate de um vereador de Santa Cruz do Sul (a cidade onde moramos, no interior do RS) que tem planos de trazer uma UPP pra cá. A resposta de ambos foi "Já está mesmo na hora, aquele Cambuim... Tem que ser dado um jeito naquela marginalidade toda", como estava com pressa e cansei de ser "do contra", referindo-se ao nome pejorativo de um dos bairros da periferia da cidade, vítima constante de preconceitos por parte da mídia e da população que só conhecem seu lado ruim sem sequer colocarem seus pés lá. Como notei que minhas intervenções um tanto irônicas não surtiram muito efeito com os incautos cidadãos e também discutir com papagaios de telejornal não estava nos planos para aquele momento, saí com muita coisa atravessada na garganta, mas escapei de ser vítima das atrocidades daqueles cidadãos bem informados.

Há poucos dias comentava com um amigo um fato que tive a "sorte" de presenciar em uma reunião em um local de encontro de empresários de minha cidade (ande caí de pára-quedas em um acaso muito esclarecedor para mim). Era uma reunião em que um oficial da Brigada Militar (a polícia militar aqui do RS) falava das ações de “pacificação” no bairro Bom Jesus (o famoso Cambuim que citei antes). Essas ações consistiam em a polícia cercar o bairro e revistar, espancar e prender qualquer morador que julgassem suspeito, mais ou menos, dadas as devidas proporções, como é comum nos morros do Rio de Janeiro. A fala do tal oficial, uma espécie de prestação de contas a esse grupo de empresários que havia pago a reforma de viaturas da polícia, apontava o Bom Jesus como a principal fonte da violência e crimes em nossa cidade. Quando o oficial, um Capitão Nascimento cover, sentiu o ambiente propício a sua fala truculenta e arrogante a sua máscara começou a cair e, vendo que estava arrancando suspiros da platéia, o Bom Jesus passou a ser Cambuim e o tal "Carro da Paz" (um blindado branco que a BM usa no Bom Jesus para ações táticas, que foi mostrado até mesmo na mídia como o símbolo das boas intenções da polícia com a comunidade) transformou-se repentinamente no Caveirão e, aos berros, o oficial dizia "É Caveirão sim! Temos o orgulho de ser a única polícia abaixo do Rio de janeiro a ter um blindado desses. Chamamos de Carro da Paz e pintamos de branco, damos réguinhas e lápis de cor pras crianças pra conquistar a comunidade, mas é o nosso Caveirão". Dali pra frente foi quase um show solo de nosso amigo Capitão Nascimento, ouvi coisas terríveis como, por exemplo, de como a "inteligência" da polícia age, localizando algum morador (geralmente com passagem pela polícia) e convidando-o a ser um "X-9" deles, "Fotografamos a casa do sujeito, depois mostramos pra ele. Dizemos que sabemos onde os filhos dele estudam e se ele não colaborar entregamos ele pros traficantes dizendo que é nosso X-9. Não tem escolha, nossa inteligência funciona assim" (Fantástico, não é? O FBI está perdendo um grande agente). Após mostrar fotos da ocupação no bairro (com policiais ocupando a temida "escada", um lugar bastante perigoso e temido pelos moradores) todos bateram palmas para o bravo combatente do crime e showmen.

Quem conviveu no Bom Jesus ou Cambuim (nome atribuído ao lugar vindo de uma árvore nativa, bastante comum na região antes da especulação imobiliária e das ocupações de moradores de cidades vizinhas que vinham à procura de trabalho e vida melhor – já viram esse filme, não é?) como eu sabe que aquela comunidade com mais de 8.000 habitantes vive com medo do Caveirão, presenciei policiais circulando com o blindado, com fuzis para fora atirando para o alto, com sinais nítidos de embriagues. Uma moradora antiga disse que eles costumam subir até o Morro da Cruz (outro bairro da cidade) para se drogarem e beber, com a intenção de terem coragem de entrar no famigerado Cambuim.

Bem, essa é a experiência que tenho com a polícia pacificadora aqui mesmo em nossa cidadezinha. Imagino o que deve acontecer em uma cidade como o Rio de Janeiro. Fico assombrado com o preconceito que vem à tona toda a vez que essas manchetes vão para a grande mídia. Sei que o sangue de muitos inocentes, até mesmo crianças, foi derramado e os jornais não estão mostrando. Vi a cara de pau do Jornal da Globo News que trouxe um analista de táticas policiais e um sociólogo (de sobrenome Soares, cujo nome me fugiu) e quando o mesmo puxou para o debate questões importantes como "quem vende drogas é um pobre, em sua maioria preto, e marginalizado enquanto quem consome é o empresário, o político, a Patricinha..." e de que não existe mercado de venda sem mercado de consumo, eles, do nada, chamaram o intervalo comercial e no outro bloco abriram espaço para as perguntas dos internautas. Obviamente os boçais direcionaram suas perguntas ao analista tático, perguntas como "Por que o Caveirão Voador (a próxima aquisição do nosso Capitão Nascimento dos Pampas) não foi usado?" ou "A policia não deveria ter atacado o corredor de fuga para o Complexo do Alemão?". Imagino que esses retardados estavam se sentindo em um daqueles jogos de computador violentos pra treinar psicopatas em série... Enfim, o sociólogo não falou mais.

O que é óbvio nisso tudo é que o Rio se prepara já ha algum tempo para a Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016. "Limpar" as favelas é crucial para que tudo ocorra bem. Corremos um risco iminente de nos transformarmos em uma África do Sul, onde a população pobre foi encarcerada em containeres, corremos também o risco de toda a pobreza (mendigos, catadores, camelôs...) ser varrida dos centros urbanos, como já se vem tentando fazer em Porto Alegre com projetos de “modernização” do centro. E nem mesmo nossa minúscula Santa Cruz escapará, pois pleiteia receber alguma seleção. Quando comentei aos incautos cidadãos que citei acima disso ser tudo um projeto para a Copa de 2014 ouvi "Tomara então que eles consigam"...
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Os nomes no texto acima foram omitidos para proteger os inocentes (no caso, eu)

Um comentário:

  1. Oi Joel, que boa notícia seu novo Blog, eu ando super notívaga e ele me veio a calhar, adorei seu texto sobre o tráfico e os acontecimentos no Rio. Penso como vc, quando será que a burguesia, a sociedade que consome a droga vai se tocar que tem que fazer sua parte , pelo menos tentar e que o governo deve agir desse lado mais forte também?
    Mundo cão!!!

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