Não importa se só tocam o primeiro acorde da canção. A gente escreve o resto em linhas tortas, nas portas da perseguição. Em paredes de banheiro ou nas folhas que o outono leva ao chão. Em livros de história seremos a memória dos dias que virão. Se é que eles virão...

Não importa se só tocam o primeiro verso da canção. A gente escreve o resto sem muita pressa, com muita precisão. Nos interessa o que não foi impresso e continua sendo escrito à mão, escrito à luz de velas, quase na escuridão. Longe da multidão...

(Humberto Gessinger - Exército de Um Homem Só)

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A MENINA E O SOLDADO

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Há poucos dias, antes do dia Sete de Setembro, o Shopping Center perto da minha casa deu início, em seu estacionamento, a sua tradicional “Exposição do Dia do Soldado”, onde o centro de consumo faz sua homenagem ao exército brasileiro. Na exposição além de muitas fotos e armamento de mão estavam alguns veículos de combate, daqueles pelos quais o Brasil pagou alguns milhões de Reais, sucata que o exército da França desovou em nossos portos em uma boa sacada para se livrar de seu lixo e ainda ganhar alguns trocados de quebra.































Chamou-me a atenção o fato de aqueles soldados serem meninos com idade não superior a dezenove anos, todos com rostos bem barbeados que salientavam ainda mais a sua tez de crianças que há pouco tempo se livrou das espinhas. Não tem como não pensar o quanto de crueldade o termo “infantaria” traz consigo.

Mas o mais impressionante e aterrador foi a paisagem mórbida de dezenas pais atenciosos levando seus filhos para conhecer de perto aquelas máquinas criadas unicamente para destruir pessoas e conquistar poder. Sabe-se lá quanto de sangue já escorreu por aquela blindagem, quantas crianças aqueles monstros de ferro mutilaram e mataram, quantas famílias ficaram sem pai, sem mãe.

Perguntava-me ao olhar aquela cena funesta a que ponto chega a idiotice, a ignorância, a cretinice de um pai que leva um filho para dentro de um necrotério ambulante como se estivesse levando-a a um brinquedo do parque. Também me vem à cabeça a cena de milhares de crianças mostradas com orgulho pelos tele-jornais no desfile militar de Sete de Setembro, exatamente igual às crianças alemãs que acenavam as bandeiras nazistas para as tropas de Hitler.
Poderia continuar esse meu relato por muitas linhas, mas dessa vez me ocorre um pequeno conto, na verdade um pequeno diálogo que poderia acontecer entre uma dessas crianças e algum desses sargentos ou oficiais que ficam nessas exposições macabras como se fossem vendedores em uma feira de móveis, eletrodomésticos ou coisa parecida. Nessa singela história imaginei que nossa personagem seria uma menina, de uns quatro anos, repleta de curiosidade, ela teria um balão nas mãos e usaria um vestidinho rosa combinando com seu balão de gás. Imagino eu que esse pequeno conto devesse ter um título bem clássico como “A menina e o soldado” e seria algo assim...

Menina: Tio, o que é isso?

Sargento: Um carro de combate!

Menina: Pra que serve um carro de combate?

Sargento: Para defender a nossa Pátria!

Menina: É com isso que ele defende a Pátria?

Sargento: Sim! Isso é uma metralhadora!

Menina: E o que ela faz?

Sargento: Atira em nossos inimigos?

Menina: E o que acontece com eles?

Sargento: Eles morrem!

Menina: E por que eles são nossos inimigos?

Sargento: Porque eles são maus!

Menina: Quem disse isso pro senhor?

Sargento: O Presidente! O General! Disseram que eles são inimigos, por isso devemos defender a nossa Pátria deles!

Menina: Matá-los?

Sargento: Se for preciso...

Menina: Tio, me diz uma coisa, se eles são nossos inimigos então nós somos inimigos deles também, não é?

Sargento: Claro!

Menina: Então eles acham que devemos morrer também?

Sargento: Com certeza!

Menina: E quem disse isso pra eles?

Sargento: O Presidente deles, o General deles. Entendeu?

Menina: Não. Tio, o senhor tem filhos?

Sargento: Sim! Tenho uma menina da mesma idade que você.

Menina: Ela ficaria muito triste se um inimigo matasse o senhor, né?

Sargento: Sem dúvidas.

Menina: E nossos inimigos, eles também têm filhos, né?

Sargento: Alguns devem ter.

Menina: E os filhos deles ficariam tristes se o senhor matasse o pai deles?





Na verdade imagino que essa conversa se estenderia por muito tempo, mas imaginemos aqui que nesse momento o pai da menina interrompe dizendo “Vamos, filha, deixe o soldado trabalhar” e o restante das questões ficam por conta de vocês...




































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Feliz dia da Pátria! Muita Ordem e Progresso para todos/as!

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