Não importa se só tocam o primeiro acorde da canção. A gente escreve o resto em linhas tortas, nas portas da perseguição. Em paredes de banheiro ou nas folhas que o outono leva ao chão. Em livros de história seremos a memória dos dias que virão. Se é que eles virão...

Não importa se só tocam o primeiro verso da canção. A gente escreve o resto sem muita pressa, com muita precisão. Nos interessa o que não foi impresso e continua sendo escrito à mão, escrito à luz de velas, quase na escuridão. Longe da multidão...

(Humberto Gessinger - Exército de Um Homem Só)

domingo, 28 de novembro de 2010

QUE PAZ É ESSA?









Nesse momento todos os olhares do Brasil se voltam para versão ao vivo e a cores de “Tropa de Elite”. Respondendo aos ataques terroristas planejados pelas quadrilhas do tráfico de drogas ilícitas no varejo (erroneamente chamadas de “crime organizado”) em retaliação as ações das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) o governo Cabral, com o apoio e auxílio do governo federal e forças armadas, invade as favelas do Complexo do Alemão, devolvendo o terror que os pequenos traficantes levaram para o centro da cidade às favelas.

São quase meio milhão de pessoas sitiadas pelo terror, tendo seus direitos civis desrespeitados a todo o momento, tudo em nome de uma “Guerra ao Tráfico” que pouco irá adiantar, se tivermos o mínimo de bom senso ao analisarmos essa situação. Mais uma vez o governo do Rio ataca o “sintoma” da doença e deixa de lado a causa da mesma. Comando Vermelho e as demais quadrilhas da auto intitulada “Federação” são traficantes de drogas no varejo; os grandes negócios com armas e drogas acontecem bem longe das favelas. O lucro com esse comércio nefasto não está e nem fica nas favelas, tampouco os grandes “empresários” moram nas favelas. Há dois anos o BOPE invadiu o Complexo do Alemão, matou traficantes e prendeu 19 deles. O que mudou? Nada, a lei de mercado é clara, se existe procura, existe oferta. Drogas são um problema de saúde pública e o tráfico um negócio lucrativo, cujo lucro, como já disse antes, não está nas favelas.

Enquanto nós, bem longe da barbárie que acontece a um palmo de nossos narizes, ficamos sentados em frente à televisão. A impressão que me passa é de que as pessoas, em sua zona de conforto, estão extasiadas assistindo Tropa de Elite 3, preocupadas com as análises de táticas de guerra dos comentaristas dos telejornais, olhando pôsteres de página inteira com a figura de um Capitão Nascimento de carne e osso publicado em jornais. Estão torcendo em uma luta do “bem” contra o “mal” e não se dão ao trabalho (ou não tem a sensibilidade) de ver que nessa guerra sem sentido são pessoas que não tiveram a mesma sorte que nós, que quem morre nessa luta entre a maré e o rochedo são os pobres, esquecidos pelos governos e enjaulados em um mundo terrível, um “quarto de despejo” onde a sociedade joga tudo o que não interessa para ela, como disse muito bem Carolina de Jesus em seu diário, publicado como livro. A velha e batida frase da população das comunidades das favelas que vem sendo repetida desde os anos 70 continua ecoando por todos os cantos de lá “A única coisa do governo que sobe o morro é a polícia”. Não podemos ser ingênuos de achar que exista alguma “precisão cirúrgica” nesses ataques da polícia, é obvio que vítimas inocentes estão morrendo. O governo só leva repressão para os morros, não existem investimentos em escolas, postos de saúde e outros direitos básicos daqueles cidadãos.

Será que devemos ser ingênuos e continuar a ver somente um lado da história? Será que quando a TV mostra pessoas com panos brancos acenando nas janelas e comenta “Eles eles estão pedindo paz” não pensa que talvez eles estejam dizendo apenas “Por favor, não nos matem”? Será que quando a TV mostra cenas mudas de uma multidão reunida (no exato momento em que tanques do exército sobem o morro) e interpreta como “uma manifestação pela paz” sem perguntar àquelas pessoas se o que eles estão fazendo é tentando dizer “Por favor, saiam daqui, já temos miséria e morte suficientes aqui sem vocês”?

Que paz é essa? E que pessoas somos nós,que parecemos a cada dia termos menos opinião própria?
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