Não importa se só tocam o primeiro acorde da canção. A gente escreve o resto em linhas tortas, nas portas da perseguição. Em paredes de banheiro ou nas folhas que o outono leva ao chão. Em livros de história seremos a memória dos dias que virão. Se é que eles virão...

Não importa se só tocam o primeiro verso da canção. A gente escreve o resto sem muita pressa, com muita precisão. Nos interessa o que não foi impresso e continua sendo escrito à mão, escrito à luz de velas, quase na escuridão. Longe da multidão...

(Humberto Gessinger - Exército de Um Homem Só)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O ALPINO PARA BEBER E O LEVANTE POPULAR NO EGITO

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No Egito os jovens usam as redes sociais estadunidenses como o Facebook para fazer sua própria campanha de mídia livre pela derrubada de Mohamed Hosni Mubarak (que está com sua bunda no trono desde 1981). O ditador e aliado dos EUA e Israel na manutenção do Imperialismo no oriente médio (juntamente com os reis da Arábia Saudita e Jordânia, Abdullah I e II) e um dos principais responsáveis pelo desterro de milhares de palestinos na Faixa de Gaza (graças ao bloqueio que o país faz a Gaza – através da passagem de Farah – impedindo trânsito de pessoas e negando entrada de ajuda humanitária aos refugiados). Já faz parte da rotina do ditador abrir a janela de seu quarto todas as manhãs e dar de cara com o povo egípcio, aos milhares, pedindo a sua cabeça.
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É claro que a ênfase exagerada da mídia globo e suas versões trash (SBT, Band e Record) em dizer que internet foi a grande responsável pelo levante popular na terra Osiris e Nefertiti, eles não perderiam a oportunidade de cobrir fatos importantes com alguma besteira a La “Fora Collor” ou coisa do gênero. Não que esse meio de mídia livre não seja importante, ele é até fundamental em termos de visibilidade (melhor usarmos ele do que sermos vítimas do mesmo), mas acreditarmos que milhões de pessoas vão às ruas por causa de um scrap é meio demais.
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O povo egípcio está cansado da truculência do seu governo, os serviços públicos praticamente não existem e a classe trabalhadora (com salários miseráveis) é quem, como sempre, sofre mais com tudo isso. Trata-se de um levante autêntico, uma revolta social que acabou tendo como ponto de convergência a derrubada de Mubarak. Milhares de pessoas ocupam as ruas do Cairo, Alexandria, Toukh, Suez e outras grandes cidades não somente para pedir a cabeça do ditador, como insiste em insistir a grande mídia, suas pretensões são mais profundas que isso. O povo organizado quer reformas políticas e estruturais, quer o fim do clientelismo com os Estados Unidos.

.O mesmo Barak Obama que publicamente diz que o povo egípcio deve ser livre para se manifestar e que deve ser ouvido é o mesmo Barak Obama, presidente dos EUA, o país que há mais de vinte anos mantém um comércio de armas de milhões de dólares por ano com Mubarak e sempre apoiou o seu arremedo de democracia. As frases ambíguas da Casa Branca já se tornaram de praxe na política internacional, no estilo Lula de não desagradar ninguém o presidente populista dos EUA dá uma de paz e amor por medo da opinião pública internacional virar mais a cara ainda aos EUA. “Ser livre para se manifestar” não significa devem acatar suas manifestações, “serem ouvidos” não significa de que alguém precise prestar atenção no que eles falam (ou gritam). A queda de Mubarak é certa e os EUA notam que está na hora de descartar o seu peão (até o ex-presidente Jimmy Carter voltou do túmulo para declarar que ele tem de sair) e após as novas eleições (provavelmente uma coalizão dos partidos de oposição) é só lembrar aos novos ditadores, digo, governantes que um rompimento com os Estados Unidos significaria uma crise econômica para o país (sem falar que qualquer um no poder se rende aos milhões de dólares nas negociatas com a indústria bélica estadunidense).
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Resta-nos, libertários que acreditam no poder popular, acreditar que apesar das manipulações dos oportunistas como o ex-presidente Gamal Abdel Nasser (o único dos três ex-presidentes que não morreu ou foi assassinado) e seu filho, o povo do oriente médio mantenha em seu sangue a luta pela autonomia política e que esse levante popular continue a se disseminar pelo mundo árabe e, quem dera bons ventos tragam a alma da revolução popular até o Brasil, tão anestesiado pela política do melhorismo, que só abafa a lo impeto de lutar por reformas de verdade na extrutura de nosso sistema.
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Enquanto isso no Brasil, a nossa juventude começa a usar a internet para também protestar. Os jovens travam uma batalha eletrônica com a qual conseguiram trazer à tona a farsa da multinacional Nestlé: O Alpino para beber não contém Alpino! É uma campanha de contra-informação muito bem feita e com muita pesquisa, vejam essa declaração de uma menina cujo nome faço questão de omitir: “Olha, realmente não tem gosto de alpino, tem gosto de qualquer coisa, menos alpino. Mas eu gostei, é gostoso para se tomar de tarde com bolachinhas. Mas se você tiver no trabalho, o Nescau é melhor. Já o Neston é pra atividades físicas, enfim, achei todos deliciosos! Mas é uma grande sacanagem não ter alpino, eu gostei, porém não deveria ter alpino estampado na garrafinha, só deviam mudar a estampa do achocolatado”. Uma aula sobre bebidas lácteas para ninguém botar defeito, não é mesmo? E com conhecimento de causa fantástico! Mas nem essa explicação com propriedade me desviou do âmago da questão: o Alpino para beber realmente não contém Alpino (comprei um para verificar) e a própria empresa adverte isso na embalagem. O que nós, consumidores fiéis, fizemos para merecer tal embuste? Eu realmente estou preocupado com isso, onde vamos parar? Isso é uma afronta a nossa inteligência (estou falando do Alpino, não do texto da menina). O que mais falta acontecer? Coca-cola Zero sem gosto de Coca-cola? Skol que não deixa bêbado? Marlboro que não dá câncer? Comida macrobiótica sem a frase “paladar é uma questão de hábito” no rótulo?

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Além do fato de saber que o Alpino para beber não contém Alpino, também me apavora a bestificação da maioria dos adolescentes e jovens dessa tal Geração Y. As mídias cada vez mais retiram o raciocínio abstrato dessas criaturinhas, que têm cada vez uma visão mais superficial das coisas que acontecem. Ao contrário da minha geração, que nos declarávamos burros e alienados sem constrangimento algum, nossos sucessores se julgam gênios por saberem operar um microcomputador, se orgulham de achar bem melhor jogar futebol em um Nintendo Wii do que ralar as canelas na quadra de cimento do bairro numa peladinha com os amigos e se julgam grandes transformadores da sociedade fazendo campanhas bestas na internet, que eles sequer se interessam em pesquisar se é verdade ou porque realmente está acontecendo tal problema. Eles se dão ao disparate de achar que colocando o nome deles em uma lista gigantesca que circula por e-mail vão impedir que o morcego hiperglicêmico de Madagascar seja extinto (esse negócio de abaixo-assinado virtual é tão risível que já sugeri para alguém copiar a lista telefônica de São Paulo num desses, já que obviamente é impossível comprovar que aquele nome ali foi escrito pela pessoa mesmo).
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Nossa sociedade caminha a passos largos para uma versão em real time do livro 1984. Se nossos professores de filosofia e sociologia não começarem a dar um curto-circuito nas mentes eletrônicas de nossas crianças corremos o risco de ver nossa língua (e consequentemente nosso raciocínio) ser reduzida a “vc”, “tbm” e nossos livros serem publicados com apenas 140 caracteres, bem como previsto no romance de Orwell, onde o vocabulário das pessoas foi reduzido minimamente para impedi-las de pensar e se revoltar.
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Se quiserem ler uma boa análise política sobre o Egito entrem no link das minhas dicas de leitura aqui ao lado.


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Créditos das ilustrações: 1. Joe Nunes (eu) 2. Foto de stencil em uma parede de Santa Cruz do Sul.

3 comentários:

  1. redes sociais até podem ajudar sim a organizarem uma campanha, mas acho impossível que seja um monte de gente. Acho que deve ir meio boa a boca tbm, um fica sabendo na rede social e vai passando p/ outros.
    Quando a essa campanha do alpino, não sabia que esse alpino da nestle não tem alpino!Nunca tomei esse negócio.
    Mas acho que há coisas mais importantes para se fazer uma campanha, como melhorar a saúde, atendimento nos hospitais, aumentar o salário mínimo, que no Brasil é uma vergonha...
    muito interessante seu post!
    vou te seguir!
    Gostaria que conhecesse meu blog http://artegrotesca.blogspot.com
    ate mais

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  2. Será que o "levante" no Egito é realmente "popular" ? Não se corre o risco de surgir uma nova teocracia islâmica?

    Abraços!

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  3. Certa vez comprei a bolacha da Nestle sabor Prestigio,e adivinhem?não tinha gosto do chocolate pretigio...liguei e reclamei para a Nestle,noutro dia veio um carro na minha porta me trazer mais 5 pacotes de bolacha prestigio...kkkkkkkkkkkkkkkk

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