Passados alguns dias continuo muito comovido com a tragédia em Santa Maria. Tenho amigos que perderam
parentes lá. Imaginar a cena dos celulares dos meninos e meninas mortos tocando
com seus pais desesperados em busca de notícias é algo que tenho feito com
frequência involuntária.
Como um amigo comentou aqui
no Face, também não escuto mais notícias (mas mesmo assim elas vêm), tento me
despir de toda a informação acumulada em minha vida e achar que a imprensa está
somente cumprindo um importante papel e não têm nenhuma intenção de lucrar
milhões coma venda de periódicos, mas é foda.
Foda é ver que esse assunto
já está sendo banalizado e todo mundo tenta catar alguma coisa inédita para um
telejornal ou escrever alguma coisa brilhante pra ganhar uns “likes” no
Facebook, num quase modismo funesto. E nessa onda aparecem as reações de
ufanismo. Ignorância e preconceito típicos de nossa cultura fascista do tal
movimento Tradicionalista. Tem gente
reivindicando essa tragédia como patrimônio do estado, “uma das maiores do
mundo”, escrevem os cretinos. Invocam o Hino racista do RS e querem que o mundo
pare para ver nossa desgraça, chegando ao ridículo de puxarem uma campanha
contra o Carnaval, nitidamente “patrocinada” por motivos racistas e não de solidariedade
(o RS é tão atrasado em termos de diversidade cultural que ainda existem muitos
que acham que Carnaval é uma festa unicamente de negros).
Tenho certeza que a única
coisa que os pais e parentes desses meninos e meninas mortos querem eles não podem
ter. Mas eles precisam de paz para entender e absorver suas perdas. Não
precisam de tias histéricas praticando seu exercício cristão da culpa querendo
a cabeça da banda, dos donos da casa de shows, dos seguranças. Também não
precisam ver todas as pessoas falando da morte de seus filhos, pois no dia que
eles se formassem, se chegassem a fazer atos de humanidade por alguém, essas
pessoas jamais falariam deles; pois essa sociedade nojenta é assim, se alimenta
da dor e desgraça alheia.
Parece-me que o sentimento
verdadeiro da perda, por mais que nos esforçamos em tê-lo, não pode (até por
uma defesa humana) ser tão forte quando se tratam da morte de pessoas que
sequer conhecíamos. Óbvio que devemos a qualquer pessoa que perde um parente ou
ente querido o nosso respeito, mas sinceramente esses devaneios de chorar por
pessoas que não conheciam são um produto da grande mídia destilando em doses
cavalares o seu veneno diário meticulosamente fabricado com sangue, lágrimas e
dor. A expressão que já virou jargão, de que “escorre sangue dos tele-jornais”
é a constatação de uma grave doença. Procuro sinceramente saber se preciso
mesmo saber da morte de quatro crianças a facadas pelo seu próprio pai em uma
cidadezinha há trezentos quilômetros da minha casa. Que raios isso vai
acrescentar a minha vida? (Começo a entender a declaração do Boninho em que diz
que o brasileiro só se interessa por fofoca). Insensível eu? Acho que minha
sensibilidade se reduz a evitar saber de coisas que não posso mudar.
E essas pessoas tão sensíveis
que se importam com o mundo inteiro são tão adestradas que aos meus olhos
pareciam felizes com o terrível acidente na cidade universitária. Como
cãezinhos que ficam felizes para entrar em ação pareciam ter um check list de como agir em caso de calamidade:
Faixa de luto para a capa do Facebook (pergunta pra maioria desses cretinos se
a cada vez que morre um parente distante eles se dão o trabalho de fazer isso),
doar sangue (sem saber se precisava e provavelmente a próxima vez que vão doar
será num próximo caso extremo), água e comida (É Santa Maria pessoal, não é o
Haiti – e pelo que sei os pais desses jovens em sua grande maioria tem uma boa
classe econômica e em último caso o dever é do Poder Público providenciar isso
– existem fundos especiais quando é o caso – o que não era). Sem falar no
exército de “voluntários” que nessas horas acabam tornando-se mais um problema
do que de uma ajuda real. Também não podemos esquecer-nos das passeatas (isso
me cheira a histeria de massa, pois essas mesmas pessoas são aquelas que
criticam o MST e outros grupos a margem da sociedade que ocupam as ruas por
estarem com fome ou sem esperanças). E o mais inconcebível é que tais ações
foram amplamente divulgadas e apoiadas pela grande mídia.
Já dizia Fulton Sheen que a verdade
ofende os homens porque lhes rouba o bom conceito que tem de si próprios, por
isso tenho certeza que muitos se remoem ao ler essa minha crítica, mas eles
sabem lá no íntimo que não vêem à hora de acontecer outra desgraça para
provarem para si mesmos e para o mundo o quanto são bonzinhos.
E essas tais pessoas são as
mesmas que sequer comentam ou sabem que em Porto Alegre um local com o
significativo nome de “Liberdade” foi destruído também pelas chamas, poucas
horas depois da Boate KISS. Essa “vila” era habitada por papeleiros, catadores
de materiais recicláveis, para ser mais preciso. Existem dois fatos latentes
para isso, o primeiro é o que todos sabemos, a mídia destinou cerca de quinze
segundos em sua programação para esse incêndio e se a mídia diz que não é
importante, os papagaios concordam, levando em conta que todos sabemos de sua
imparcialidade.
O outro fato é o mais duro,
porém o que é negado por qualquer pessoa: Eram catadores! Eu me preocupo com um
incêndio em uma boate, pois posso me imaginar ou imaginar meu filho num local
assim. Mas como burguês isso não me diz respeito, não me toca, mando água
mineral para pessoas que até têm mais dinheiro que eu, mas me recuso a me
preocupar com pobres que, pior que morrer, estão vivos e mais desgraçados do
que já eram. E como pobre, assalariado e cheio de preconceitos, com mentalidade
forjada pela TV, pela educação pública sabotada eu viro minhas costas para meus
irmãos, pois tenho nojo e medo da miséria que ronda a minha porta.
Agora, enquanto os urubus
buscam um último depoimento, um novo encontro emocionado entre sobreviventes
para espremer bem o sangue dessa notícia e ganhar mais alguns tostões o povo
volta a sua vidinha cotidiana, com suas mentalidades (mais do que seus bolsos)
burguesas, assistindo ou falando mal do BBB com um discurso reacionário se
achando Cult. Também esperam ansiosos por mais uma chance de serem úteis para a
sociedade, talvez o assassinato de uma menina desconhecida para puder fazer uma
marcha por “justiça” e dar entrevista pro Datena...
(Sim, eu voltei! Semana que vem te mais)
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